Chuva fina

Olhou para o alto e pressentiu a chuva. Sentou-se na soleira da porta e deixou-se levar pelos pensamentos que lhe assaltavam a mente. Viu-se caminhando junto a um rapaz que, apesar de andar de mãos dadas com ela, não a amava.  A verdade era que ele nunca a havia enxergado de fato, mas apenas o reflexo de uma boneca para enfeitar sua vida solitária. 

Ela, por sua vez, vira nele uma possibilidade como em tantos outros havia enxergado. Uma chance de construir um lar, de amar e ser amada, filhos, natais, uma família. Contrariando os pressentimentos, deu uma chance ao relacionamento, mas ele estava fadado ao fracasso. 

 Já havia feito consigo mesma um pacto de jamais acomodar-se em uma relação. Superou o luto, a tristeza, a crise de pânico, os ataques de ansiedade. Buscou ajuda de todas as formas. Entrou para a psicoterapia, fez acupuntura, terapia de florais, meditação, buscou a Deus. Venceu o medo da solidão e, como sempre, seguiu. 

No caminho, encontrou interessados, mas nenhum disposto a caminhar com ela. Nenhum deles determinado a abrir as portas do próprio coração. Nenhum deles preparado para fazer o indispensável: entregar-se. Tudo o que viu eram pessoas confusas e perdidas, tal qual um dia ela própria fora. Não sentiu raiva e nem pena, somente frustração.

Tantos desencontros ensinaram-na ao desapego. Embora sentisse dor, já não sofria. Não mais passava horas a fio chorando no chão da cozinha, perguntando-se o que havia feito de errado. Já não se culpava. Escolhera o caminho do auto-conhecimento, da verdade própria. Escolhera sentir e, na hora certa, desapegar.

Ás vezes ainda sentia medo, mas procurava escutar a própria respiração e concentrar-se no único momento que de fato existia: nem futuro, nem passado, tão somente o agoraDe repente, sentiu gotas tocarem-lhe a face. Não eram lágrimas, era apenas a chuva fina que caía. 

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