Os canteiros e o gosto de framboeza

Canteiros - Fagner

Um dia ela decidiu ir embora. Não tinha a certeza se era a hora certa. Se estaria preparada. No fundo, achou que estaria pronta. Mas a verdade é que ninguém nunca está pronto para o fim. O fim é a perda, a falta, a ausência. 

A tarde em que ela se ausentou daquela parte da própria vida foi uma tarde triste e tranquila. Sabia que o fim era inevitável. Chegou a considerar se de fato deveria ter havido um começo. Jamais chegou a saber se a tarde da sua ausência fora sentida, ressentida ou chorada. 

Ela, certamente, chorara. Ressentira-se. Havia sentido tudo em todas as fibras do seu ser. E o tudo era tanto para suportar. Era saudade, era raiva, era tristeza. Era dor, era vergonha, era medo. Era, mais do que qualquer outra coisa, medo

Pensara em tudo o que vivera. Os sons, cheiros, burburinhos. Tudo o que lhe fazia falta. Confundia-se em suas lembranças sobre o que realmente fora bom e o que havia sido ilusão. Pegava-se transformando as próprias dores em pequenas alegrias fugazes. Ilusões da mente, mentiras que contava a si mesma para justificar aquela dor injusta. 

Havia sido feliz, isso era um fato. Havia sido parte de algo maior, de algo que tanto almejava. Tivera momentos alegres, risonhos. Sentira-se segura e, por algum tempo, esquecera a própria solidão. Também era certo que dera tudo o que tinha. E tudo o que ela tinha era amor, era desejo, era sentimento, era constância, era lealdade, era paixão, era vontade. E isso era muito e tinha sido tão intenso para ela.

Agora era preciso esvaziar os bolsos, abrir espaço. Devolver tudo o que haviam compartilhado. Despedir-se com a gratidão de quem entende que certas coisas simplesmente não são para ser. "Não era pra ser." Era a hora de desapegar, de, enfim, dizer adeus com a coragem que lhe era habitual e com a leveza de alguém que sabe que fez o melhor que pôde. 

Mas naquele momento, só naquele momento, tudo o que ela queria era ter do mato um gosto de framboesa, pra correr entre os canteiros e esconder sua tristeza, como naquela música que ouvira dia desses e que tantas recordações lhe trazia. 

Mas, como na música, ela ainda era moça pra tanta tristeza. "Deixemos de coisa e cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida e nos arrasta, mesmo moços, sem termos visto a vida". 


Comentários

  1. Como sempre, você tocou no ponto, minha musa blogueira! "Era a hora de desapegar, de, enfim, dizer adeus com a coragem que lhe era habitual e com a leveza de alguém que sabe que fez o melhor que pôde." Legal essa catarse. Feliz de ver como você a cada dia se supera mais e mais e cresce como mulher e como pessoa. Seu texto nos mostra que há esperança por detrás de onde parece ser o fim do caminho. Que há, sempre, promessa de vida em nosso coração.

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  2. Ao mesmo tempo, tudo o que compartilhou será sempre dela, sempre parte, mas nunca tudo e nem demais. Ao mesmo tempo era tudo que tinha de ser e foi. Mas é que vem mesmo a hora de desapegar.

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