O Agora

Acontecia todas as vezes em que passava por algum poste de luz solitário. A luz simplesmente se apagava. Testou o acontecimento em inúmeras ocasiões e era batata: sempre que passava embaixo...puff. Acabava-se a luz. No início ela achava aquilo engraçado. Tentou, algumas vezes, apagar outras luzes de propósito, somente com a força do pensamento. Mas foi em vão. Não era o pensamento que governava a vontade da luz, parecia que as lâmpadas tinham vontade própria. 

Lembrou-se de um conto de Gabriel García Marquez, "A luz é como água", que lera quando ainda era uma menina. Perguntou-se se, de fato, a luz, assim como a água, jorrava abundantemente das lâmpadas até que alguém parasse aquele fluxo contínuo com o toque em um interruptor. Mas os postes de luz não tinham interruptores. Eles apagavam somente quando ela passava. Não importava se estivesse triste ou feliz. Deprimida ou empolgada. 

A luz simplesmente a escolhera. No início, ela achava que poderia ser algo ruim. "Bad vibes", pensava consigo mesma. Mas de tanto acontecer passou a achar aquilo natural. Não eram más vibrações e sim algo que independia da sua vontade. Inclusive, passou a pensar que era algo especial. A luz a escolhera. Isso a tornava especial, diferente. Mas por quê ela?

Passou a perscrutar cada milímetro de seu próprio coração para tentar entender o fato. Lembrou-se da vida que levara, sempre comedida, controlada, planejada. Lembrou-se de que a própria vida lhe mostrara que era impossível colocar-lhe rédeas. 

Recordou dos momentos mais sublimes os quais havia vivido: as gargalhadas em um restaurante simples na beira de uma estrada, mas com a refeição mais saborosa que qualquer outra que já comera. Tinha 10 anos à época; Pensou na tarde ensolarada em que, ainda  menina, experimentara o vestido de noiva da mãe de sua melhor amiga. Nunca havia experimentado nada igual. Talvez tenha sido esse o dia que, secretamente, prometera a si mesma, um dia, casar-se de branco. 

Lembrara-se do pôr do sol nas dunas de Jericoacoara, ao lado da sua mais antiga amiga, sua irmã; Viu a si mesma despedindo-se do seu primeiro namorado da janela de seu quarto. Amavam-se tanto que nenhum dos dois jamais imaginaria que um dia despediriam-se para sempre; Pensou na tarde de seu casamento, caminhando, sem vacilar, em direção a um altar gracioso, debaixo de um flamboyant verdejante. 

Lembrou-se do dia exato em que seu coração maltratado e abatido se emendara, em um fim de tarde perfeito, ao pé de uma cachoeira abençoada; Pensou nas boas amigas que sempre lhe ofereceram um ombro para chorar e uma mão para se reerguer; Voltou a se ver, já amadurecida, na sala de aula de uma faculdade, lutando contra a depressão, a tristeza e o sono, mas com um brilho nos olhos que só os que têm a coragem de recomeçar possuem; viu-se sozinha em meio a uma selva de pedra, em outro continente, sentindo-se, enfim, livre.

Pensou na luz dos postes solitários que se apagavam quando ela passava e ponderou que aquilo jamais, em tempo algum, poderia significar algo ruim, pois a verdadeira luz estava dentro do seu coração. Fizera suas próprias escolhas e as consequências a tornaram forte. Sofrera, porém persistira. Fora abatida, mas reerguera-se. Chorara, não obstante o tempo enxugara suas lágrimas.  

O passado jamais poderia ser alterado e o entendimento desse simples fato fez com que ela repousasse tranquilamente sob as águas diáfanas do presente. Tudo o que queria era viver o Agora. Não mais um passado cheio de lições e nem tampouco um futuro esperançoso. Mas, unicamente, o exato momento em que vivia. Buscou todos os sentimentos que já haviam habitado seu coração, mas apenas um se sobressaiu:  a gratidão.


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