Adeus, Nenca

Porque Ele vive - André Valadão

Ela tinha os braços gordinhos, com aqueles dedos rechonchudinhos típicos das avós. Andava devagar, claro, há muito já tinha idade para tal. A minha avó era daquelas velinhas discretas que usava aquelas sandalhas fofas e vestidinhos floridos. Era extremamente vaidosa e vivia com um pentinho pra lá e pra cá pra arrumar os cabelos já ralos. 

Não gostava de dar trabalho a ninguém e nunca teve tempo para o glamour, afinal, 5 filhos e uma vida de costureira haviam lhe tomado a juventude e a maturidade. A rigidez dos tempos tornou-lhe quase impossibilitada de demonstrar afeto. Apesar de ser uma pessoa doce, minha avó nunca fora de abraçar. Ela também nunca fora daquele tipo de avó que faz comidinhas gostosas e mima os netos. Pelo menos comigo. 

Mas nada disso tirou a impressão de que era uma pessoa bondosa. E era. Uma vez minha mãe me contou que vovó, apesar de  ter dado duro como costureira, de ter  tido um marido rigoroso, e uma vida regrada com raros momentos de diversão, soube que alguém da rua precisava de uma geladeira. Foi na loja, comprou a dita cuja no carnê em 12 vezes e deu pro coitado que precisava. Pouco antes de morrer, minha avó falou sobre o carnê, faltavam poucas prestações para pagar. 

O fato é que eu não me lembro da minha avó me cobrindo de beijos ou fazendo uma deliciosa macarronada para o jantar. Não me lembro dela me ninando ou contando histórias na hora de dormir. A verdade é que, durante a minha infância, eu quase não tenho memórias dela, mas sempre que penso na palavra "avó" é nela em quem eu penso. 

Ninguém falava "Minha criança" como a minha avó. Só ela subia as escadas fazendo aquele assobiozinho a cada degrau vencido. É fato que ela não dividiu muito a sabedoria dela comigo. Conversamos muito pouco a vida inteira porque eu, provavelmente, estava muito ocupada para me aproximar de uma bondosa senhora que fora gentil comigo desde sempre. A outra grande verdade é que eu, assim com a minha avó, assim como a minha mãe, também não sou muito de abraçar. Distribuir afeto não é o  meu forte. 

Mas esses dias eu senti saudades do último abraço que nunca dei. Ouvi um hino que me lembrou dela. Não especificamente ela, mas o dia do seu funeral. Ela era tão querida e havia sido generosa com tantas pessoas que foi preciso um ônibus e vários carros para transportar a todos para o cemitério, na hora do sepultamento. Estava um dia lindo e quente, e as pessoas pareciam tão alegres por terem podido fazer parte da vida da "Dona Nenê" - a minha avó -  que ninguém chorava quando cantaram a música que ela mais gostava, na hora do adeus.

Aquela foi a primeira vez que perdi alguém próximo. Quando voltei à Brasília, após as solenidades fúnebres, passei várias noites chorando baixinho antes de dormir. Nunca realmente tive oportunidade de conhecer bem a minha avó, mas até hoje sinto a falta dela. 





Comentários

  1. Que lindo, Flor! Tenho certeza de que este texto, e o seu coração ao escrevê-lo, já deixou você pertinho dela. Eu também perdi minha única avó. Às vezes eu sonho com ela e sempre, nos momentos de desespero, peço a ajuda dela. Ela sempre vem... ;-)

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