Colecionadora de afetos


Nunca se achara vaidosa. Quando criança evitava os espelhos. Não porque fosse feia, mas por se achar desajeitada. Tinha quase certeza de ter nascido com dois pés e mãos esquerdos. A ironia é que era canhota. Fazia pouco caso da moda e não se importava com novas tendências pois sabia que tinha outros talentos.

O encontro com o amor transformou-a de várias formas, mas nunca mudou sua pouca disposição para acessórios de beleza. Contudo, ainda em tenra idade, descobriu-se aprisionada a outro tipo de espelho: era competitiva ao extremo quando se tratava de emoções. Não gostava de perder nenhum afeto sequer. 

Mesmo que terminasse com um ex, adorava saber que ele a amava de alguma forma, ainda que fosse nas entrelinhas. Presenteava as ex-sogras para mantê-las aquecidas com a sua lembrança. Mesmo as amizades eram, para ela, tão inebriantes quanto seus romances, e fazia questão de manter os amigos perto e os inimigos mais perto ainda. Não gostava de se olhar em espelhos, mas amava ser olhada. 

A vaidade dela significava se ver em olhos alheios, portanto, sofria como um cão quando percebia que precisava desapegar. Certa vez, olhou nos olhos de uma amiga de infância que andava se ocupando de um marido amoroso e dois gêmeos recém-nascidos, e entendeu que não era mais amada de nenhuma forma. Não se viu mais refletida nos grandes olhos da amiga e passou dias deprimida porque sabia que havia uma só coisa a fazer: deixá-la ir. 

Foi então que percebeu que não era apenas o orgulho de se sentir amada por todos ao seu redor que a movia, mas uma solidão imensa que não cabia no peito,  uma solidão mais antiga do que ela mesma. 

Sem muita coragem, olhou-se no espelho. De fato não era feia, mas tampouco era bela. Havia perdido, na espera por dias melhores, a firmeza das coxas e a leveza do temperamento. Sabia que o brilho intenso dos seus olhos estava, aos poucos, se apagando, e que talvez não lhe restasse muito mais tempo para uma vida iluminada.

Mas também sabia que o amor estivera permeando a sua vida desde sempre. Apanhou o jarro de afetos que havia colecionado durante todos aqueles anos e, um a um, libertou-os. Enquanto eles flutuavam como pequenos balões em direção ao céu, a moça derramou uma lágrima de felicidade. Havia entendido que não fazia diferença guardar tantos amores diferentes, e que o que importava era ter sido amada e correspondida de tantas formas sensacionais. Deixou-os ir.




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