Diagnóstico


De repente ele lembrou do perfume dela. Assim, do nada. Olhou em volta e torceu o nariz. Não estava no olfato e sim na memória. Assimilou aquela lembrança  aos momentos bons que haviam compartilhado. Ele se lembrava exatamente como era o cheiro dos seus cabelos. Doce, ocre, tenso e fugaz. Havia muito tempo não pensava nela. Ele achou estranho, pois jamais havia pensado no quão delicada ela era. 

O perfume foi como um novelo de lã. Fez com que ele puxasse todo o resto na memória. No almoço, ele apanhou o garfo e lembrou-se de como ela costumava gostar do cheiro de café preto, puro. Ela passava vários minutos na cozinha apenas deliciando-se enquanto preparava a bebida. Ele sorriu sem querer e recriminou-se por isso. Havia muito tempo mesmo não pensava nela. 

Ao pegar um copo d´água no corredor, lembrou-se da vez que foram àquela festa estranha. Ela vestia um sobretudo engraçado que não a aquecia. Ele a abraçou enquanto ela tiritava de frio. Naquela noite foram pra casa em silêncio, ouvindo The Smiths. Ela deitou a cabeça no ombro dele. 

Mais tarde, enquanto esperava o metrô, lembrou do som da risada dela. Era alta e rouca. Ela adorava rir pra valer, sem ressalvas. Sempre dizia que uma boa risada substituía um dia péssimo. O sorriso dela era lindo. Ele se lembrava de perceber isso à época, mas não de dar tanta importância quanto agora. Quando ela sorria, o ambiente parecia um pouco mais iluminado. 

Ao chegar em casa, ligou a tv. Percebeu que colocou no programa favorito dela. Um desses de entrevista, tipo Oprah. Esse gosto ele jamais pôde perdoar, mas naquele dia, ele abriu uma exceção e assistiu apenas para poder lembrar um pouquinho mais dela. 

Subitamente sentiu uma angústia imensa. A angústia virou dor, depois falta de ar. Uma opressão no peito. Correu para a emergência do hospital, temia estar infartando. Depois de duas horas esperando atendimento, o médico fez meia dúzia de perguntas, auscultou o peito, as costas. Colocou uma lanterninha para analisar os globos oculares e finalmente deu o diagnóstico: 

- É saudades. Pra isso eu não tenho cura. 


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