A mulher e o bode

Ela vivia reclamando que a casa era pequena e velha demais. Botava o marido doido com a sua ladainha diária sobre as rachaduras nas paredes, reclamava do jardim que nem cabia uma horta. Era só chegar do trabalho e começava a choramingar enquanto preparava a janta. Dizia que as janelas estavam empenadas, os armários eram pequenos para tantos lençóis,  as vidraças estavam trincadas e as tábuas do piso rangiam como em casas mal assombradas.

O marido, no início, não se importava de ouvir. Sabia que a mulher tinha razão. A casa tinha mesmo rachaduras e o quintal tinha virado um depósito de entulho doméstico. As tábuas poderiam ter passado por uma boa reforma anos atrás e os armários havia muito amontoavam roupas demais.   Mas, passados os primeiros meses, ele começou a ficar simplesmente irritado com a mulher.

Parecia mesmo um rosário inteiro sendo rezado todo santo dia. Por mais que tentasse não ouvir, lá vinha a mulher com o discurso pronto. Ele tentou ligar a tv no volume máximo durante os jogos. Depois partiu para o radinho de pilha. Quando ela falava, ele colocava o aparelho ao pé do ouvido. Até tentou fones modernos, mas nada parecia abafar aquele som de lamúria. Então um dia acordou e teve uma epifania.

Chegou em casa e disse à mulher:

- Trouxe um presente que você vai amar. - prometeu o marido trazendo uma grande e pesada caixa para o meio da sala de estar da casa.

A mulher desembrulhou o presente e com uma cara de poucos amigos viu que a grande e maravilhosa surpresa era simplesmente um bode. Olhou incrédula para o marido, tornou a olhar para o bode e ficou sem entender. O marido, por sua vez, não perdeu tempo, foi logo dizendo que era excelente ter um animal como aquele dentro de casa e lançou mão das qualidades do bichinho.

A mulher concordou em ficar com o bode, afinal ele tinha sido dado com tanto gosto, mas com o tempo ele se tornou um transtorno. Primeiro comeu as almofadas, depois passou para os estofados. Os móveis de imbuia não ficaram ilesos e nem mesmo velhos armários e os lençóis puídos se livraram da fúria do bicho. Comia tudo o que via pela frente. Em bem pouco tempo a mulher só reclamava do bode. No almoço ela mal comia de tanto que falava. Varria a casa enquanto murmurava sem parar. Nem mesmo o carteiro e os vizinhos escapavam das lamúrias da mulher.

Um dia, o marido, cansado de tanta ladainha, resolveu livrar-se do bode. Levou o bichinho para um bom abrigo de animais e só o deixou lá quando teve a certeza de que ele ficaria em boas mãos. A mulher ficou tão feliz que recebeu o marido com um jantar especial. Fez seu prato favorito: macarrão à romagnolla com filé mignon ao molho manteiga com ervas. Comprou até um vinho daqueles adocicados que o marido apreciava aos montes.

Nos dias que se seguiram, a mulher fez todos os gostos do marido, e rendia mãos aos céus porque o bode não estava mais lá para estragar os seus tapetes e arruinar seus lençóis velhos. Afinal, a casa podia até ser antiga, as tábuas podiam até mesmo ranger e o quintal podia mesmo nem caber uma horta, mas o bode não estava mais lá para destruir tudo aquilo que ela havia conquistado com tanto carinho e em tantos anos de luta ao lado do marido. Olhou para ele, que roncava satisfeito ao seu lado, e aconchegou-se ternamente sorrindo, feliz pela ausência do bode e pela presença de tudo aquilo que lhe era caro.

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