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Pedro e Leila - Feiticeira

- Viver ultrapassa qualquer entendimento. - disse Leila citando Clarice. Disse isso entre um gole de vinho e uma tragada do baseado.  - Que lindo isso. Sabia que você é uma pessoa profunda, Leila? Poucos te conhecem de verdade. - Pedro apanhou o fumo e, enquanto fechava os olhos, soltou uma baforada de fumaça.  - Tentando me definir outra vez? ela perguntou.  - Acho que sim. - respondeu enquanto acomodava a cabeça nas pernas de Leila. Ambos agora olhavam para o céu estrelado. Faíscas da fogueira flutuavam em direção à imensidão negra. - Mas te definir é impossível porque você é tudo e nada aos mesmo tempo, às vezes caos, às vezes ordem. Às vezes solidão e outras multidão. Luz e sombra, uma mistura de menina-mulher que me encanta. Uma feiticeira, certamente, que lançou um feitiço sobre mim. Estou apaixonado por ti, Leila.  - Então não me defina. Apenas sinta. Eu também estou apaixonada por você. - sussurou ela encarando-o, tocando o rosto de Pedro com as duas mãos. 

Menina

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Ele a chamava “Minha menina” muito embora ela já não fosse uma, há muito tempo. Não se ofenda, dizia ele, é que com você eu também me sinto um garoto a despeito dos meus fartos cabelos grisalhos". ele falou certa vez. - Você, Leila, é leveza e poesia ao vento. - disse passeando com os dedos pelas sinuosas curvas do corpo dela.  - Você também pode ser leve. Sabia? - Alguém me disso isso uma vez, mas eu quero ser leve com você. O que você me diz? - O que eu digo? Digo que sim, mas confesso que é querendo dizer não. - respondeu Leila em um tom displicente. - Você tem medo? - ele a puxou para si, fazendo-a olhá-lo nos olhos. Leila fechou os olhos, tocou o próprio peito do lado esquerdo, inspirou e abriu os olhos novamente.  - Sim. Tenho medo.  - Impossível, meu bem, você é a mulher mais corajosa que já conheci.  - Coragem eu tenho. Mas para ter coragem é preciso existir o medo, Pedro.  - Eu não vou te machucar. - ele murmurou. - Muitos já disse

E se houver silêncio…

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E se houver silêncio quando for preciso gritar ? Quando for necessário se libertar? Desconstruir? E se houver silêncio quando a vida pedir palavras? Quando a maré cheia vier inundar os compartimentos da mente que estão entulhados de coisas velhas e antiquadas? E se a mordaça do comodismo for barreira para as transformações inevitáveis do ser? Se houver silêncio, grite. Flua. Descontrua-se para reerguer-se novamente. A cada passo da jornada a vida vai pedir plasticidade e vai ser preciso entender que ninguém veio ao mundo a passeio. A vida é phoda , mano. Rebele-se. Expresse-se. Se houver silêncio quando a hora é de ter voz plante flores pelo caminho. Tenha compaixão em vez de pena, levante companheiros de jornada, afinal você não é o único que já teve sonhos esfarelados. . Tenha em mente que o silêncio deve vir em outros momentos e de um outro lugar muito mais profundo e verdadeiro. O silêncio que traz paz vem de uma calma interior intrínseca a todos nós. Somo

Ele e Ela

Assim que ela o conheceu entendeu que ele era um sedutor incorrigível. Durante os 13 meses e 16 dias em que trabalharam juntos, ela observou-o atentamente, com cautela e sem pressa. À época, ele era o chefe. Ela, só mais uma das tantas pessoas que orbitavam ao redor dele. Nem mesmo ela compreendia o fascínio que aquele homem lhe causava. Quase 20 anos mais velho, era daqueles que flertava com todas, inclusive com ela. como você está linda hoje, Helena. - dizia ele, às vezes, sem nenhum constrangimento, em meio a uma reunião importante. Ela, por sua vez, odiava os elogios sinceros e absurdamente inconvenientes, mas passava horas rememorando-os na lembrança, amando e odiando ao mesmo tempo.  Machista e pretensioso! - pensava ela enquanto revirava os olhos em um gesto muito seu. Mas no fundo, admirava-o pela liderança nata que exercia na corporação. Foi quando se deu conta que não era a única fascinada por ele. Homens e mulheres o seguiam de olhos fechados. Para ela, antes de o co

Relógio

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Ele fazia aquele bang-bang a cada meia hora. Pregado na parede um dos corredores da grande casa, o relógio de dona Nenê era daqueles de corda, em formato de cuco. Havia sido um presente de casamento, há mais de 20 anos. Nenê era apenas uma menina de 16 anos recém feitos quando o colocaram em seu colo. Olhe, Nenê, o que o velho Alceu lhe deu. - Alceu era o relojoeiro do povoado e tinha uma loja de lindos relógios. Eram tão encantadores que era um custo escolher um único modelo sem ficar em dúvida. Ela olhou curiosamente para a peça, tocando na madeira escura esculpida a mão. Reparou nos ponteiros que brilhavam como ouro, no pêndulo que tinha um formato mágico de uma seta dourada. O vidro era modestamente decorado com desenhos singelos, delineando as bordas de forma delicada. Céus, esse deve ser o santo graal dos relógios - pensou Nenê com os olhos vidrados. Nos primeiros meses, o marido quase quebrou o relógio com um punhado de pupunhas. O pobre via-se perseguido pelas b

Nascer todos os dias

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Quando ele chegou ali, era tudo mato. Não tinha cercado e nem arado. A terra parecia árida, mas o coronel estava cansado de rodar o mundo atrás de um pedaço de chão. Foi assim, fugindo de uma chacina que lhe deixaria emudecido por quase uma década, que Constâncio Oliveira do Rosário chegou à Charque Seco. Naquela época nem podia ser chamado de vilarejo. Tinha apenas uns dez casebres que margeavam a ferrovia. Chegou em época de seca brava, aos 17 anos, esquálido como um boi faminto. Os pés cansados calçavam uma percatinha já muito gasta e nas costas trazia um saco de pano, com tudo o que tinha na vida: três mudas de roupa e o retrato da mãe cuja última lembrança era o olhar apavorado e um grito apavorante - Corre, Cicinho! O coronel constâncio contava essas lembranças sempre que podia e um dia a neta perguntou-lhe: Meu avô, porque o senhor conta essa história tantas vezes? Porque considero, Melissa, que foi nesse dia que eu nasci. Imagine, se eu contar essa história todos o

Amar sem reservas

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Me identifiquei horrores com um texto que li em um blog muito bacana chamado " Logo eu ". A leitura me cativou do começo ao fim, a começar pelo título  " Meu status de solteira não é referência de solidão ou desespero ". Os sábios dirão, algum dia, que a autora não apenas tinha a razão, como também que ela mesma era uma pessoa sábia.  Escrevi, em texto anterior, que ser solteira não é apenas um estado social, mas também um estado de espírito. Requer uma colher de sopa de coragem, uma pitada de bom-humor e uma xícara cheia de amor-próprio. Ainda assim, a vida sempre vai pedir plasticidade. O rigor dos julgamentos e as frivolidades alheias exigirão doses salutares e diárias de bravura.  Eu escolhi estar solteira quando saí de um casamento onde não era feliz; quando deixei para trás namorados e comparsas que só curtiam me exibir como um troféu bobo. Eu fiz a escolha de não estar com alguém quando entendi que eu já havia arrastado as minhas próprias corrente