Rise
Quando era pequena lembrava-se de olhar as folhas ao chão, no outono, e se entristecer. Na primavera elas estavam tão belas e verdes, mas, no outono, desbotavam e caíam. Já adulta, parou de se importar, tamanha era sua voracidade pela vida, e as folhas ao chão já não tinham mais tanta importância.
Andou às voltas com amigos ruidosos em festas barulhentas. Sentia-se invencível, inalcançável. Até que o primeiro rapaz por quem se apaixonou partiu seu coração. No início não entendeu bem, mas ao fim do dia, chorava de consternação afirmando que jamais seria capaz de amar novamente. Tinha 17 anos então.
Como tudo na vida, a decepção amorosa passou, o coração se emendou e ela tornou a se reencontrar em espelhos luminosos, refletindo-se nos olhares cobiçosos de homens de todos os tipos. Deixou-se envolver não uma ou duas, mas várias vezes por pessoas diferentes, em uma busca constante por sentir-se inteira. Confundia paixão com amor e deixou-se levar por frivolidades e promessas vazias.
Aos 30 casara-se com o único homem que havia lhe trazido um pouco de paz ao espírito inquieto. Aproveitou ao máximo os 7 anos em que foram felizes, até o dia em que acordou e passou horas tentando entender o que havia mudado em si mesma. Olhou para o marido e descobriu que havia deixado de amá-lo.
Perdida sem a estabilidade de um relacionamento seguro, tornou a cair em mãos ávidas por relações fúteis e sem sentido. Quase enlouqueceu por um homem que lhe prometeu as estrelas, mas nunca realmente chegou a vê-las. Abatida e destruída, foram necessários anos até que voltasse a ficar de pé novamente, equilibrando-se em uma frágil auto-estima que lhe permitia, às vezes, vislumbrar que era forte para continuar buscando redenção, amor e perdão.
Um dia voltou a reparar nas folhas de outono caídas ao chão. Entendeu a beleza delas e de toda a sua ressequidão e inevitável morte. Entendeu que buscava um inteireza em outros olhares, outros corações. Buscava alguém que a resgatasse daquele mar revolto que era sua vida. Buscava quem lhe desse abrigo e cuidasse dela como ela mesma havia cuidado de tantos amores. Lembrou-se do perdão que tanto ansiava, apenas para perceber que já era inteira desde que se perdoara pelos desenganos do passado.
A vida lhe fizera experiente e ela havia tentado, de todas as formas possíveis, encontrar o amor entre tantos desencontros. Mas sua inteireza jazia apenas e tão somente dentro de si mesma e a prova cabal disso é que sobrevivera a tantos corações partidos da forma mais corajosa possível. Era uma sobrevivente assim como as folhas de outono que, mesmo caídas, tinham uma beleza secular, pois o ciclo se repetia todos os anos.
As paixões que vivera, os amores que encontrara pelo caminho, tudo isso era a vida acontecendo dentro e fora dela. Visualizou o recomeço em cada folha caída, em cada lágrima derramada. Mesmo que isso significasse sorrir ou chorar tudo outra vez. Sua única salvação residia em si mesma e em mais ninguém.
Era fato que seria incapaz de reprogramar seu coração de modo a apagar todas as decepções que sofrera, mas também sabia que era impossível fechá-lo por completo, pois era da sua natureza amar.
Bonita reflexão sobre o amor!
ResponderExcluirSeu texto visita, em pinceladas sutis, as quatro estações - o calor da paixão (verão), as flores do amor (primavera), o frio da decepção amorosa (inverno) e o amadurecer da alma (outuno). E faz pensar quem já vive o outono do viver. E faz correr uma lágrima furtiva no canto do olho. O texto é fruto, provavelmente, de uma alma sensível e que transpira amor... Belo, como sempre. Tocante.
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